I – ETIMOLOGIA. DEFINIÇÃO
A
palavra tem origem na expressão latina "actio empti aut vendit",
que, nos dizeres de H. Pinagibe Magalhães (1) significa "ação
nascida de uma aquisição ou de uma venda".
De
Plácido e Silva (2) define a ação ex empto como aquela "que
compete ao comprador para exigir do vendedor a entrega da coisa vendida,
de conformidade com o compromisso assumido do contrato de
compra-e-venda, desde que lhe entregou o valor do preço ajustado, ou o
sinal convencionado (arras)".
Para
Affonso Dionysio Gama (3) a ação ex empto é aquela que
"tem por fim forçar o vendedor a entregar a coisa vendida, ou a parte
que falta".
O
Eminente Ministro Costa Leite (4), em voto proferido em sede de
Recurso Especial de nº 36.788-3, na Terceira Turma do STJ, citando
Lafayette, diz: "Essa ação, isto é, a ação para obrigar o vendedor a
entregar a coisa vendida, ou a parte da mesma que deixou de ser entregue
é a ação ex empto".
É,
portanto, a actio ex empto a ação que tem como escopo garantir ao
comprador de determinado bem imóvel a efetiva entrega por parte do
vendedor do que se convencionou em contrato no tocante à quantidade ou
limitações do imóvel vendido, sob pena de ter o alienante que entregar a
parte que falta do ajustado, rescindir o contrato ou ter o abatimento do
valor pago ou a se pagar, contando ainda com a possibilidade de pedir,
em qualquer destas hipóteses, indenização por perdas e danos.
II – APLICAÇÃO DA ACTIO EX EMPTO. A AÇÃO EMPTI
E AS AÇÕES EDILÍCIAS. PRAZO PRESCRICIONAL. VENDA AD CORPUS E AD
MENSURAM
A
ação, conforme nos ensina Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio
Luiz Gomes (5), "é o exercício de um direito pré-existente",
havendo, destarte, que existir um direito anterior à aplicação da
actio perante o Estado-juiz. E que direito seria este
condicionante do exercício da ação ex empto? Qual o prazo
prescricional a ser aplicado? Em que espécie contratual caberia a
aplicação deste tipo de ação? Vejamos a seguir.
O
Código Civil, em seu art. 1.136, caput, nos confere a disciplina
legal deste tipo de ação, qual seja, in verbis:
Art. 1.136. Se, na venda de um imóvel, se estipular o
preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta
não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador
terá o direito de exigir o complemento da área , e não sendo isso
possível, o de reclamar a rescisão do contrato ou abatimento
proporcional do preço. Não lhe cabe, porém, esse direito, se o imóvel
foi vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas
enunciativa a referência às suas dimensões.
Da
leitura deste artigo verificamos que resta respondida a primeira questão
acima formulada, ou seja, sobre o direito condicionador do exercício da
ação empti. Tal direito é o de entrega por parte do vendedor do
bem imóvel em sua totalidade, de acordo com o avençado em contrato,
sendo uma garantia pela quantidade ou dimensão do bem entregue em
contrapartida a um determinado preço pago pelo comprador. Neste tipo de
ação, penso ser possível encontrarmos legitimamente também o vendedor no
pólo ativo do processo. Neste idêntico sentido, João Luiz Alves
(6) declara que tal pretensão é pertinente, quando afirma que "se
porém, a declaração envolve a garantia da área vendida, não sendo o
vendedor obrigado a entregar mais do que vendeu, isto é, só sendo
obrigado pelo que vendeu, parece que pode reclamar a restituição do
excesso, se provar erro no entregar a coisa". É uma aplicação
analógica e de discussão meramente acadêmica, sem qualquer importância
na vida prática, haja vista a raridade de tal hipótese vir a
ocorrer.
O
direito de entrega da coisa certamente ajustada em contrato, não pode
ser confudido com a garantia de vício redibitório, vez que, neste tipo
de garantia o que se discute não é quantidade (aí sim objeto da ação
empti), e sim a qualidade da coisa vendida, que tanto pode ser
móvel como imóvel, diferençando-se, aí também, a ação ex empto,
que, conforme o artigo acima transcrito, apenas recai sobre imóveis. No
caso de garantia por vícios redibitórios, as ações cabíveis são as
edilícias, quais sejam: a) a redibitória, em que se tem a entrega por
parte do vendedor do recebido, mais perdas e danos; e b) a estimatória
ou quanti minoris, em que se tem o valor do objeto contratual
reavaliado a fim de que o valor do bem fique compatível com a qualidade
do mesmo perdida, sem culpa do adquirente. Tal diferenciação é de
extrema importância, vez que, devido aos efeitos resultantes da ação
quanti minoris (edilícia) e da ex empto, pode-se haver
confusão, porque, tanto a primeira, quanto a segunda, podem gerar para o
vendedor o dever de abater o preço do valor do imóvel, não sendo por
isso, contudo, que tornar-se-á a ação empti uma ação edilícia,
pois aquela, conforme já dissemos anteriormente e voltamos agora a
frisar, recai sobre a quantidade do bem, enquanto que a outra abrange a
qualidade. Neste sentido é a melhor jurisprudência:
A ação ex empto não se torna edilícia só porque o
comprador pediu o abatimento proporcional do preço (RT, 481:94,
apud M. Helena Diniz, Tratado Teórico e Prático dos
Contratos, p. 407)
Ainda
em torno da distinção entre as ações edilícias e a ex empto,
importante é salientar o posicionamento da jurisprudência acerca do
tema, a fim de não restarem dúvidas. Transcrevemos, para tanto, parte do
voto do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (7), que assim
posicionou-se:
Difere a ação ex empto das ações redibitória e
quanti minoris pelo fato de que, nestas, a coisa vendida é entregue na
sua integralidade, apresentando, entretanto, vícios, enquanto naquela a
coisa é entregue em quantidade menor do que aquilo que fora
pretendido (Recurso Especial nº 32.580 – SP)
Como
acima já dissemos, de fundamental importância (principalmente prática) é
a imposição de traços distintivos entre as ações edilícias e a ex
empto. E isto se deve ao fato de descobrirmos que período descrito
no Código Civil iremos tomar como base para a contagem do prazo
prescricional das mencionadas ações. Existem duas possibilidades
previstas no Código Civil: a do art. 179 e a do art. 178, § 5º, IV. O
art. 179 nos remete ao art. 177, que diz ser a prescrição vintenária
para as ações pessoais, ou seja, aquelas que versem sobre direitos
patrimoniais. Já o art. 178, § 5º, IV é mais incisivo e restritivo,
impondo o prazo prescricional de seis meses para as ações que visem o
abatimento do preço da coisa imóvel, recebida com vício redibitório.
Ora, da análise de tal dispositivo verificamos que à ação ex
empto caberá o prazo prescicional de 20 (vinte) anos, vez que se
trata de uma ação pessoal, e às ações edilícias caberá o prazo de 06
(seis) meses para prescrição, vez que se encaixam perfeitamente na
redação do art. 178, § 5º, IV, do Código Civil, principalmente no
tocante à característica do vício redibitório, presente na redação deste
dispositivo. Assim, nos vemos obrigados a, com a devida venia,
discordar do eminente Min. João Luiz Alves, pois que o mesmo, em sua
obra Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil (4º
vol, 3ª edição, ediotora Borsoi, Rio de Janeiro, 1958) afirma ser o
prazo prescricional da ação ex empto de seis meses, por ser a
mesma a cabível para se exercitar o direito à garantia por vício
redibitório. A melhor doutrina assim não entende, observando Affonso
Dionysio Gama, Maria Helena Diniz, Orlando Gomes, Carvalho Santos, entre
outros, que o prazo prescricional da ação ex empto é o de 20
(vinte) anos. A jurisrprudência também está consolidada no sentido de
aplicação, em sede de ação empti, do prazo de prescrição
vintenária, sendo este o posicionamento do Egrégio Supremo Tribunal
Federal:
A prescrição da ação assegurada pelo art. 1.136 do
Código Civil não se regula pelo preceito do art. 178, § 5º, IV do mesmo
Código, e sim pelo art. 177. Ap. Civ. nº 5.248, de 23 de Outubro de
1934. Rel. Min. A. Ribeiro, Jurispr. Supr. Trib. 1937, vol. XX, p. 450.
Rec. Extr. Nº 5.444, de 16 de Novembro de 1942, Rel. Min. Ph. Azevedo D.
da Just. De 25-5-43, p. 2.225. (Octavia Kelly, "Interpretação do
Código Civil do STF", 1/141, cit. em voto do Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira – Resp 32.580 – SP).
Assim,
não nos resta dúvida quanto ao prazo prescricional a ser imposto à ação
ex empto, por tudo quanto já foi exposto.
Resolvidas
as questões referentes à aplicação da actio ex empto e seu prazo
de prescrição, passemos à análise da espécie contratual a ser objeto
desta ação.
Sem
dúvida alguma, o contrato nominado de compra-e-venda será o "alvo" da
ação ex empto. Assim concluimos da análise da redação do art.
1.136 do Código Civil. O mesmo artigo nos revela não ser possível a
garantia da actio ex empto se o imóvel objeto do contrato foi
vendido como coisa certa e determinada, sendo meramente enunciativas as
dimensões dispostas na avença. Desta forma, teremos caracterizadas duas
espécies de contratos na modalidade compra-e-venda: a) a ad
corpus; e b) a ad mensuram.
a)
compra-e-venda ad corpus: Orlando Gomes (8) nos ensina que
a venda ad corpus é "a que se faz sem determinação da área, do
imóvel, ou estipulação do preço por medida de extensão. O bem é vendido
como corpo certo, individualizado por suas características e
confrontações, e, também, por sua denominação, quando rural". Afirma
ainda o festejado mestre baiano que "a referência a dimensões não
descaracteriza a venda ad corpus, se não tem a função de condicionar o
preço".
b)
compra-e-venda ad mensuram: Maria Helena Diniz (9) nos
leciona que a venda ad mensuram "é aquela em que se determina a
área do imóvel vendido, estipulando-se o preço por medida de
extensão".
Há
ainda no Código Civil, art. 1.136, parágrafo único, a presunção juris
tantum de que a venda foi realizada ad corpus (ou seja, com
referência à área meramente enunciativa) se a diferença dimensional
encontrada não for superior a 1/20 (um vinte avos) da extensão total
enunciada, podendo ser alegado o contrário, tendo o denunciante,
contudo, que provar o contrário.
Não
é considerada venda ad mensuram se o imóvel objeto do contrato é
perfeitamente conhecido do comprador, ou se o mesmo não é
individualizado em suas dimensões no contrato (que há de ser por
escritura pública, haja vista a formalidade do contrato de
compra-e-venda de imóveis), ou ainda que o mesmo seja murado, em sua
extensão.
De
tremenda importância para o julgador é a análise do tipo de contrato
celebrado, se ad corpus ou ad mensuram, sendo mister que o
juiz verifique com a maior atenção as provas presentes no processo.
Neste sentido é a lição do Mestre Caio Mário da Silva Pereira
(10):
"O juiz, na determinação se a venda se realizou ad
mensuram ou ad corpus, deverá primeiro consultar o título, pois que
ninguém melhor do que os próprios contratantes para esclarecer a sua
intenção. Na falta de uma declaração expressa, haverá de valer-se de
elementos extraídos da descrição do imóvel, de sua finalidade econômica,
de provas aliunde inclusive indícios e presunções, que permitam inferir
se o objeto da venda foi coisa certa ou foi uma área, e proceder à
interpretação da vontade..." (Instituições de Direito Civil, vol.
III, Forense, 5ª ed., 1981, nº 221, p. 167)
Desta
forma, se a venda realizou-se ad corpus, não terá o comprador
legitimidade para propor a actio ex empto, vez que aí não
importou, para a formação da vontade em contratar, a quantidade do bem
imóvel; já se a venda realizou-se ad mensuram, cabível é o exercício da
ação empti, uma vez que o direito pré-existente afetado será o da
não-entrega de parte do objeto da avença, qual seja, o imóvel, na
quantidade devidamente ajustada.
III – CONCLUSÃO
Diante
de todo o exposto, tiramos as seguintes conclusões, acerca da actio
ex empto:
1. a
finalidade da ação empti é a entrega, seja por parte do vendedor,
seja do comprador, da parcela do imóvel entregue, respectivamente, a
menos, ou a mais, de acordo com o avençado no contrato;
2. quando
se entra com uma ação ex empto se está exercitando um direito de
garantia de cumprimento de um contrato de compra-e-venda de um imóvel, e
não de garantia por vício redibitório, cabendo para este tipo de
garantia, o acionamento das edilícias (redibitória e quanti
minoris);
3. a
prescrição da ação ex empto é vintenária, conforme o disposto no
art. 177, caput, do Código Civil;
4.
aplica-se a actio ex empto na venda ad mensuram, vez que
aí temos acordo de vontades envolvendo quantidade ou dimensões de
determinado imóvel;
5. pode o
prejudicado pedir na ação ex empto, a entrega da parte que falta
do ajustado, a rescisão contratual ou, o abatimento do valor pago (ou a
se pagar), contando ainda com a possibilidade de pleitear, em qualquer
destas hipóteses, indenização por perdas e danos.
OBRAS E REFERÊNCIAS CONSULTADAS
- MAGALHÃES e MAGALHÃES
. Dicionário Jurídico. 8ª ed. Rio de
Janeiro, Destaque, 1998.
- DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de
Janeiro, Forense, 1998.
- CALDAS, Gilberto. O Latim no Direito. 2ª ed. São Paulo,
Brasiliense, 1985.
- GAMA, Affonso Dionysio. Teoria e Prática dos Contratos por
Instrumento Particular no Direito Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro,
Freitas Bastos, 1955.
- http://www.stj.gov.br/
- Código Civil Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1997.
- SILVA, Ovídio A Batista da., e GOMES, Fábio Luiz. Teoria
Geral do Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
- ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados
Unidos do Brasil, 4º vol. 3ª ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1958.
- GOMES, Orlando. Contratos. 14ª ed. Rio de Janeiro, Forense,
1994.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º
vol. 9ª ed. São Paulo, Saraiva, 1994.
- DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos
Contratos, vol. 1. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996.
- MENDONÇA, Manuel Inácio Carvalho de. Contratos no Direito
Civil Brasileiro, Tomo I. 3ª ed. Rio de Janeiro, Revista Forense,
1953.
- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito
Civil, vol. III. 5ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1981.