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Aspectos das nulidades contratuais na modernidade sob o prisma da instrumentalidade processual e o rigorismo jurídico  

Texto extraído do Jus Navigandi
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2367

  Milca Micheli Cerqueira Leite
advogada, mestranda em Direito da Universidade Estadual de Maringá (PR)


            Sumário1. Aspectos das nulidades contratuais na modernidade sob o prisma da instrumentalidade processual e o rigorismo jurídico: 2. A vontade das partes nos negócios jurídicos: 3. A norma legal e os reflexos advindos de seu rigorismo: 4. Referências Bibliográficas


1. Aspectos das Nulidades Contratuais na Modernidade Sob o Prisma da Instrumentalidade Processual e o Rigorismo Jurídico

            O ato negocial quando viciado por uma nulidade absoluta é tido como ineficaz, pois não produz efeitos e consequentemente é inexistente, tal fato é importante ser salientado justamente porque com o progresso evidenciado no campo do direito, a tendência de se entenderem as nulidades do processo à luz dos princípios gerais de direito.

            Mesmo porque, examinar as nulidades processuais contidas no ordenamento jurídico, significaria tratar de cada um dos dispositivos do código civil separadamente, já que, apenas os artigos 243 a 250 do referido diploma em vigor, especificam à matéria, e estão longe de oferecerem uma disciplina completa.

            O tema envolve várias dificuldades, que vão da simples interpretação da palavra "validade" no que se refere ao ato negocial, até o prejuízo que advém de um ato anulado, justamente porque a conotação "convalidar" demonstra ser um precedente para a inexistência do ato.

            Com relação especificamente ao processo, há regras específicas que podem ser elencadas sobre as nulidades processuais, como por exemplo: as nulidades absolutas podem ser alegadas pelas partes e a qualquer tempo, sendo que, podem ser decretadas de ofício pelo magistrado, não se cogitando da preclusão, ao contrário da anulabilidade que é alcançada quando intempestiva pela preclusão e ainda, não pode ser decretada de ofício.

            Não obstante tais regras estejam sendo aplicadas, são demasiadamente genéricas. A par do tema, comentam TEREZA ALVIM e ARRUDA ALVIM(1) que " há, então, normalmente comprometimento de todo um segmento processual, posterior ao próprio ato anulado ou decretado nulo, segmento este que consiste nos atos que do ato anulado dependam."

            Ressalte-se que, no que tange à categoria das invalidades dos atos jurídicos, insertas no âmbito das relações privadas, tanto a anulabilidade quanto a nulidade de um ato negocial, funda-se em características específicas, que por incrível que pareça, não encontra-se disciplinada em nosso ordenamento, conforme exposto brevemente linhas acima.

            A bem da verdade, independente de um ato negocial se encontrar viciado por esse ou aquele vício formal, a idéia de insanibilidade atrelada a nulidade absoluta é demasiadamente controvertida, já que a norma material choca-se com a processual.

            O que ocorre, é que, ao passo que o direito processual civil faculta sanar-se um vício, o direito civil, norma material, veda que o magistrado supra nulidades, mais um fator que ampara a ampliação do livre agir do magistrado.

            Em que pesem assim as abalizadas opiniões contrárias mas, submeter às mesmas normas gerais aos ramos do direito público e privado, seria apostar em uma técnica baseada em valores absolutos, pois é impossível confundir nulidades processuais com nulidades civis, pois há vários critérios que as classificam.


2. A Vontade das Partes nos Negócios Jurídicos

            No âmbito das nulidades processuais objetos desse estudo, é importante que se tome conhecimento que a perspectiva formalista do processo devem ser evitada, a fim de que se preserve o interesse das partes.

            Um ponto importante é que mesmo com o constante crescimento e massificação das relações contratuais, a autonomia da vontade continua prevalecendo por ocasião da pactuação dos negócios jurídicos, e não obstante seja um elemento volitivo, convalida o ato negocial.

            A primeira vista nos parece exageradamente vantajoso que no mundo de hoje as partes estejam se valendo tanto de um instrumento contratual para expressarem suas pretensões, porém, surgem alguns pontos que podem ser questionados: o primeiro é um tanto óbvio é que, na medida em que aumentam os pactos negociais, cresce a probabilidade de erros, de vícios em ato de vontade..

            CAIO MÁRIO DA SILVA(2), citado por FILHO (1995, p.34) afirma que o fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. E tão relevante é o papel da vontade na etiologia do negócio jurídico, que se procura identificar a sua própria idéia conceitual com a declaração de vontade, constituindo-se desta forma a sua decisão.

            A segunda questão está atrelada a primeira, e cinge-se em que, na medida em que se instaura um contrato entre as partes e se identifica um vício ou defeito no mesmo, independente de estar esse sendo apreciado pelo judiciário, deve ser a falha identificada e sanada quando possível, e, em se tratando de nulidade deve ser a mesma decretada de ofício.

            Infere-se assim, que tudo quanto se relaciona ao instituto dos contratos, sejam esses expressos ou verbais, e seja qual for a sua denominação, prevalece a autonomia da vontade como fator relevante entre os contratantes.

            Enfim, deve ser ressaltado que, muitas das vezes admitir-se a repetição de um ato, não é assegurar um provimento justo, já que essa imposição da lei além de ignorar a vontade das partes, inclui, como sempre, o rigorismo exagerado da norma positivada.


3. A Norma Legal e os Reflexos Advindos de Seu Rigorismo

            Mesmo com seu caráter positivista, e sua característica cogente, a norma legal é imprecisa, e portanto incoerente com a realidade vivida atualmente.

            No âmbito das relações negociais por exemplo, constam em certos dispositivos legais qual o procedimento a ser adotado para que uma relação jurídica nasça, prescrevendo a forma específica para que seja eficaz. Tais regras frisam ainda que, não sendo observado o estatuído, o ato é declarado inexistente.

            Entretanto, de outro lado, a própria disposição da norma determina que o magistrado pode regularizar o incidente, podendo tornar válido e perfeito o ato.

            Ora, não parece crível quanto mais lógico, que a aplicação da lei em seu caráter cogente seja tão antagônica com relação ao que dispõe, dissonante pois com a realidade, que ao passo que conceitua um ato como inexistente e causa reflexos nos atos ulteriores, concede ao magistrado poderes para repetir e sanar o problema somente quando não for tão grave assim o vício observado, fazendo parecer que o juiz mesmo exercendo a jurisdição não pode impedir se faça uma injustiça ou se cause um prejuízo.

            A importância desse tema está em que, muitas vezes a parte celebra um contrato que além de oportuno, vai lhe trazer benefícios, sendo que se ocorrer um ato que invalide o se negócio ou vicie o ato jurídico praticado, não interessa à mesma que o negócio seja anulado, tornando-o inexistente.

            Depreende-se assim, no que tange à nulidade absoluta e seus efeitos, que quando da apreciação de um contrato pelo poder judiciário, deveria o órgão julgador levar em consideração além do interesse das partes, a utilidade da prestação inserta no contrato.

            As conclusões de Cármem Lúcia Antunes Rocha(3), prescrevem dessa forma:

            "Não basta, contudo, que se assegure o acesso aos órgãos prestadores da jurisdição para que se tenha por certo que haverá estabelecimento da situação da justiça na hipótese concretamente posta a exame. Para tanto, é necessário que a jurisdição seja prestada - como os demais serviços públicos - com a presteza que a situação impõe. Afinal, às vezes, a justiça que tarda, falha. E falha exatamente porque tarda. Não se quer a justiça do amanhã. Quer-se a justiça hoje. Logo, a presteza da resposta jurisdicional pleiteada contém-se no próprio conceito do direito-garantia que a jurisdição representa. A liberdade não pode esperar, porque, enquanto a jurisdição não é prestada, ela pode estar sendo afrontada de maneira irreversível; a vida não pode esperar, porque a agressão ao direito à vida pode fazê-la perder-se; a igualdade não pode aguardar, porque a ofensa a este princípio pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança não espera, pois a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá concretizado o risco por vezes com a só ameaça que torna incertos todos os direitos."

            A bem da verdade, o Judiciário está fadado de feitos procrastinatórios, acionar o poder judicial nos dias de hoje, tem sido uma espécie de investimento a longo prazo, onde se deposita uma pretensão nas mãos de um órgão de investidura para um retorno eventual, condicionado a uma apreciação jurídica que pode não acontecer.

            Não bastasse isso, há o excesso no rigorismo processual, pois o processo mesmo sendo norteado pelos princípios gerais de direito, foge à sua função social, que é dar à parte litigante uma solução justa para o seu conflito. Isso porque, geralmente quando se aciona o poder judiciário o que se deseja é que o magistrado analise o seu caso e lhe dê uma resposta.

            Isso é enfatizado a fim de que se perceba que o excesso no formalismo jurídico na maior parte das vezes atrapalha o julgamento de certos pedidos, justamente porque é fato notório que há muitos casos para serem apreciados e decididos.

            Assim, supondo-se que uma pessoa celebre um contrato bilateral, e que, no momento de sua existência no mundo jurídico, um vício do consentimento (o erro por exemplo), sobrevenha sobre o ato tornando-o inexistente, e consequentemente, ineficaz, muito bem, mesmo que esse vício tenha sido invocado por uma das partes contratantes, podem os mesmos desejarem preservar o que até ali fora pactuado e pedirem a convalidação daquele ato especificamente, evitando até mesmo dispêndios com a formação de um novo instrumento.

            Partindo então do princípio de que, o negócio tenha sido pactuado e esteja sendo útil à parte, a declaração de inexistência do contrato celebrado, refletirá um prejuízo para as partes, que por certo não querem ver extintas todas as suas pretensões.

            Por essas e outras razões é que o princípio da instrumentalidade das formas e o princípio da inafastabilidade do poder judiciário deve ser aplicado, vez que além da ação e defesa, há que se levar em conta a vontade das partes.

            Nesse particular, surgem várias questões acerca do processo como instituto jurídico, já que existe um ideal de propiciar ao demandante e demandado o tão almejado acesso à ordem jurídica justa pelo processo, surgindo então a dúvida sobre como deveria ser conduzido o processo para que os mesmos obtivessem o resultado favorável, sem desencadear-se exaustivamente todos os meios de resistência à apreciação de sua pretensão.

            Vê-se assim, outro princípio importante, o contraditório, que é um instrumento estatal para exercício do poder, já que, não sendo possível para a parte exercer todos os direitos substanciais que vem a ter, deve ter efetivada a participação do magistrado.

            Seguindo a lição do jurista WATANABE(4) podemos afirmar que:

            "não basta viabilizar o acesso ao processo: precisa oferecer um processo sensível às aspirações dos sujeitos litigantes, que por sua vez viabilize o acesso à ordem jurídica justa, de que se vem falando. Só com isso é que, através da observância da cláusula due process of law, se dá conteúdo substancial à garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional. "

            Enfim pode-se dizer que, as inúmeras lacunas existentes em nosso direito e ainda a sua imprecisão no campo das nulidades, geram incertezas no mundo jurídico, vez que ao passo que prima pela autonomia e consentimento das parte e garante a equidade do magistrado na apreciação dos casos, tolhe o seu convencimento e instala confusões na esfera das nulidades contratuais, ou seja, impõe uma regra legal em certos casos e depois faz ressalvas sobre uma possível repetibilidade do ato.

            Tendo em vista assim a complexidade gerada com a evolução dos meios de produção e o aumento dos contratos, somados às novas concepções jurídicas contratuais, nada mais justo e coerente do que no mínimo, se preservar o interesse das partes, se essas assim desejarem, promovendo se não uma completa, mas uma aparente isonomia entre as partes.

            Já que uma reestruturação radical em nosso meio forense não será possível, pelo menos a curto prazo, (note-se que o nosso Código Civil é de 1916), uma das soluções seria dar mais autonomia ao magistrado, dentro é claro, de alguns limites constitucionais e preservando as partes das vicissitudes alheias, a fim de que pudesse tentar cumprir o fim social da lei.

            Ora, a tendência na modernidade, principalmente no instituto dos contratos é cumpri-lo de forma que seja bom para ambas as partes contratantes, aplicando sua característica de bilateralidade, fazendo valer os princípios gerais do direito quando houver lacunas na norma, analisando do ponto de vista também econômico, até onde é valido desconstituir o negócio praticado, garantindo autonomia ao magistrado para que possa fazer sua valoração da forma mais justa e coerente possível.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo.2ª ed., São Paulo, RT, 1990.

            DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 270.

            FILHO. J. A. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3ªed. São Paulo: Saraiva, 1995.

            WATANABE, K. Controle jurisdicional e mandado de segurança contra atos judiciais. São Paulo: RT, 1980.


Notas

            1.ALVIM, A.; PINTO, T. A. A. Nulidades processuais. São Paulo: RT, 1992.

            2.SILVA, C.M. Instituições do Direito Civil. 5ª ed. Forense, v. 1, p. 413, 1980.

            3.ROCHA, C. L. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 37

            4.. Controle jurisdicional e mandado de segurança contra atos judiciais. op. cit.

 
 

Sobre a autora
Milca Micheli Cerqueira Leite
 
E-mail: 1000k@mailbr.com.br

Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº 52
Elaborado em 06.2001.

Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
LEITE, Milca Micheli Cerqueira. Aspectos das nulidades contratuais na modernidade sob o prisma da instrumentalidade processual e o rigorismo jurídico . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2367>.