1. Introdução
Muito
antes de vir a ser positivada no Código de Defesa do Consumidor, bem
como na Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o "Novo"
Código Civil, dúvida não há de que a boa-fé objetiva estava presente na
mente dos juristas pátrios.
É
o que procuramos demonstrar, mediante a apresentação dos projetos de
códigos adiante referidos, anteriores e posteriores ao Código Civil de
Clóvis Beviláqua, ainda em vigor.
2. Desenvolvimento
A
primeira inserção pode ser verificada nas Ordenações Filipinas (1603)
(1), no Livro I, Título LXII, § 53, e, mais tarde, no
Código Comercial (1850) (2), através de norma
estabelecida no art. 131, I, cujo potencial não foi aproveitado nem
mesmo por nossos melhores comentaristas, os quais não fizeram
qualquer consideração acerca da possibilidade de sua utilização, como
fonte autônoma de direitos e obrigações (3).
A
presença da regra interpretativa da boa-fé pode ser igualmente
constatada no Projeto de Código Comercial organizado por Herculano
Marcos Inglez de Souza (1911) (4).
Em
Direito Civil, é no Esbôço de Teixeira de Freitas (1855),
que se percebe a sua presença pela primeira vez, sendo válido salientar
que o iluminado jurista, na Parte Geral, Livro Primeiro, Seção III,
destinou alguns artigos ao tratamento da boa-fé dos atos
jurídicos, tendo-a identificado como elemento inerente à própria
substância destes atos (5).
Além
disso, alguns dispositivos podem ser encontrados tanto no Projeto do
Código Civil Brasileiro e Commentário de Joaquim Felício Santos (1881)
(6), quanto no Projeto de Código Civil Brasileiro de
A. Coelho Rodrigues (1893) (7) e na obra Direito Civil
Brazileiro Recopilado ou Nova Consolidação das Leis Civis vigentes em 11
de agosto de 1899, do advogado Carlos Augusto de Carvalho
(8), os quais, embora não atinentes à boa-fé objetiva,
guardam relações de proximidade com esta.
Apesar
destes antecedentes históricos, à época da elaboração do Código Civil
Brasileiro, embora Clóvis Beviláqua tenha feito constar inúmeras
remissões à boa-fé, apenas excepcionalmente mencionou a boa-fé objetiva,
como se vê nos artigos 1443 e 1444 (9), inexistindo em
nosso Código uma regra geral acerca da necessidade de sua observância em
matéria de obrigações (10).
A
falta desta regra dificultou a compreensão de todas as funções e do
alcance da boa-fé em nosso sistema jurídico (11).
Para
suprir a sua ausência, os teóricos e a jurisprudência buscaram apoio nos
artigos 85 do Código Civil (12) e 4º da
L.I.C.C. (13).
Mesmo
diante da aludida reação dos doutrinadores e da jurisprudência, os
projetos de Obrigações e de Código Civil que se seguiram, embora não
tenham deixado de fazer alusão à boa-fé, em verdade, ainda lhe
conferiram previsões pouco expressivas, as quais, em sua maioria, se
limitaram à admissão de sua função interpretativa.
No
Título I – Da Constituição das Obrigações, do Anteprojeto de Código
das Obrigações de 1941, elaborado por Orosimbo Nonato, Philadelpho
Azevedo e Hahnemann Guimarães, três dispositivos prestigiaram a boa-fé:
os dois primeiros (arts 65 e 66), inseridos no Capítulo I – Da
Declaração de Vontade; o outro (art. 156), no Capítulo VI – Da Reparação
Civil (14).
No
Anteprojeto de Código das Obrigações de 1963, cuja comissão
revisora foi integrada por: Orosimbo Nonato, Caio Mário da Silva
Pereira, Theóphilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes,
Nehemias Gueiros e Francisco Luiz Cavalcanti Horta, que unificava o
direito privado, identificamos novamente a presença de duas previsões da
boa-fé (arts 21 e 22) (15).
E,
finalmente, foram dedicadas novamente duas disposições à boa-fé no
Anteprojeto de Código Civil de 1972, subscrito por Miguel Reale,
José Carlos Moreira Alves, Agostinho Arruda Alvim, Sylvio Marcondes,
Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, na
Parte Geral, Livro III – Dos Fatos Jurídicos, Título I – Do Negócio
Jurídico, Capítulo I – Disposições Gerais (arts 111 e 112)
(16).
Foi,
na redação final da Câmara dos Deputados, que o referido
projeto de Código Civil, o qual tomou o nº 118, de 1984 (antigo projeto
de lei nº 634-B, de 1975), além da previsão da boa-fé interpretativa
(art. 112), trouxe dois dispositivos, que não só explicitaram os
valores primordiais da boa-fé e da probidade, mas também estabeleceram o
condicionamento do exercício da liberdade de contratar ao atendimento
dos fins sociais do contrato (arts 420 e 421) (17).
3. Conclusões
O
referido Projeto, no entanto, antes mesmo de vir a ser aprovado, foi
duplamente atropelado.
Em
primeiro lugar, pela Constituição de 1988, que, como adverte a mais
autorizada doutrina, consagrou claramente a idéia de função social do
contrato, através da fixação do valor social da livre iniciativa,
dentre os fundamentos da República (art. 1º, IV) (18).
É
o que em boa hora esclarece Antonio Junqueira de Azevedo:
"A idéia de ‘função social do contrato’ está
claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos
fundamentos da República, ‘o valor social da livre iniciativa’ (art. 1º,
IV), essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato
como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de
tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a
sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje,
do ordenamento positivo brasileiro – de resto, o art. 170, caput, da
Constituição da República, de novo, salienta o valor geral, para a ordem
econômica da livre iniciativa (...).
No direito brasileiro, o status constitucional
da função social do contrato veio tornar mais claro, reforçar, o que, em
nível da legislação ordinária, já estava consagrado como comportamento a
seguir, pelos terceiros, diante do contrato vigorante entre as partes.
Esse dever de respeito já existia por força do art. 159 do Código Civil,
preceito que constitui verdadeira "cláusula geral" no nosso sistema – e
que é tanto mais forte, na exigência de um comportamento socialmente
adequado, quanto mais longa e conhecida e pública a duração do contrato,
porque tudo isto agrava a culpa pelo desrespeito, como nos casos dos
contratos de fornecimento. Também no direito estrangeiro esse
comportamento é exigido..." (19).
Em
segundo lugar, pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de
11 de setembro de 1990), que, em consonância com a tábua axiológica
unificante da Constituição de 1988, não só prestigiou a
regra da boa-fé em dois de seus artigos (arts 4º, III, e 51, IV), como
também a tutelou implicitamente em muitos outros dispositivos esparsos
em seu texto.
Seja
como for, a análise ora realizada, referente aos contornos dogmáticos da
boa-fé objetiva anteriores à Constituição de 1988 e à Lei nº 8.078, de
11 de setembro de 1990, serve não só para demonstrar a difícil
trajetória percorrida pela boa-fé objetiva até o declínio das convicções
liberais, mas também para a constatação das suas grandes perspectivas,
sobretudo após a entrada em vigor do "Novo" Código Civil, que a consagra
nos arts 112, 113, 421 e 422.
4. Referências bibliográficas
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Notas
1.
V. FERREIRA COELHO, A. Codigo Civil dos Estados Unidos do Brasil -
Comparado, Commentado e Analysado, p. 221.
Eis
o teor do § 53, do Título LXXII, do Livro I das Ordenações
Filipinas:
"E, por não convir em duvida qual he Morgado,
ou Capella, declaramos ser Morgado, se na instituição, que dos bens os
Administradores e possuidores dos ditos bens cumpram certas Missas ou
encarregos, e o que mais renderem hajam para si, ou que os Instituidores
lhes deixaram os ditos bens com certos encarregos de Missas, ou de
outras obras pias. E se nas instituições for conteúdo, que os
Administradores hajam certa cousa, ou certa quota das rendas que os bens
renderem, assi como terço, quarto ou quinto, e o que sobejar se gaste em
Missas, ou em outras obras pias: em este caso declaramos, não ser
Morgado, senão Capella. E, nestas taes instituições e semelhantes póde e
deve entender o Provedor, postoque nas instituições se diga que faz o
Morgado, ou que faz a Capella; porque às semelhantes palavras não
haverão respeito, sómente á fórma dos encarregos, como acima dito
he."
2.
O art. 131, I do Código Comercial Brasileiro estabelece:
"Art. 131 – Sendo necessário interpretar as
cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será
regulada sobre as seguintes bases:
I – a inteligência simples e adequada, que for
mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato,
deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das
palavras;..."
Na
doutrina, para uma interpretação do dispositivo, vale conferir: Augusto
TEIXEIRA DE FREITAS. in Appontamentos ao código do commercio, p.
566-567.
3.
V., entre outros, FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito
privado brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do,
p. 48; AGUIAR Jr., Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo,
p. 21.
Observa
MOREIRA ALVES, José Carlos. no trabalho: A boa-fé objetiva no sistema
contratual brasileiro, p. 400, que, só mais recentemente, o referido
dispositivo do Código Comercial passou a ser entendido como uma cláusula
geral, onde aparece a boa-fé objetiva não apenas como cânone
interpretativo.
Apontando
o artigo 131, I, do Código Comercial como cláusula geral, veja-se, entre
outros: TEPEDINO, Gustavo. no trabalho, Tecniche legislative ed
interpretative nell’armonizzazione del diritto privato comunitario:
l’esperienza del Mercosul, in Anuário: direito e globalização, 1:
a soberania/dossiê coordenado por Celso Albuquerque Mello; PEZZELLA,
Maria Cristina Cereser. O princípio da boa-fé objetiva no direito
privado alemão e brasileiro, p. 199.
4.
É o que se verifica nos dispositivos do Projeto de Código Comercial
do Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza adiante transcritos:
"Art. 714 – As palavras do contrato devem
entender-se segundo o uso do lugar em que foi celebrado o mesmo contrato
e no sentido em que as costumam empregar as pessoas da profissão ou
indústria a que disser respeito o ato, posto que, entendidas as palavras
doutro modo, possam significar coisa diversa.
Art. 715 – Sendo necessário interpretar as
cláusulas do contrato, a interpretação, além da regra do artigo
antecedente, será regulada da maneira seguinte:
I – a inteligência, simples e adequada, que
for mais conforme à boa-fé e o verdadeiro espírito e a natureza do
contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação
das palavras; "
5.
Do Esbôço de Teixeira de Freitas, merecem destaque
especial os seguintes dispositivos:
" Art. 504 – Haverá vício de substância
nos atos jurídicos, quando seus agentes não os praticaram
com intenção, ou liberdade; ou quando não os praticaram de
boa-fé.
Art. 505 – São vícios de substância,
nos termos do artigo antecedente:
1º Por falta de intenção, a ignorância ou
êrro, e o dolo (art. 450).
2º Por falta de liberdade, a violência (art.
451).
3º Por falta de boa-fé, a simulação e a
fraude.
Art. 517 – Consiste a boa-fé dos atos
jurídicos na intenção de seus agentes relativamente a terceiros, quando
procedem sem simulação ou fraude.
Art. 518 – Reputar-se-á ter havido boa-fé nos
atos jurídicos, ou nas suas disposições, enquanto não se provar que seus
agentes procederam de má-fé, isto é, como um dos vícios do artigo
antecedente (arts 504 e 505, nº 3).
...
Art. 1954 – Os contratos devem ser
cumpridos de boa-fé, pena de responsabilidade por faltas (arts 844 a
847) segundo as regras do art. 881. Eles obrigam não só ao que
expressamente se tiver convencionado, como a tudo que, segundo a
natureza do contrato, for de lei, eqüidade, ou costume."
(Grifamos.)
6.
Do Projeto do Código Civil Brasileiro e Commentário de Joaquim
Felício Santos (1881), Tomo I, Parte Geral, Livro III – Dos Atos
Jurídicos em geral, Capítulo III – Da Interpretação dos Atos Jurídicos,
destacamos o seguinte dispositivo:
"Art. 256 – Na interpretação dos atos
jurídicos se observarão as seguintes regras:
1º - Quando a expressão do ato é duvidosa,
deve-se atender à intenção, que os agentes tiveram, de preferência ao
sentido literal dos termos;
2º Os termos devem ser entendidos no sentido
que tinham ao tempo da celebração do ato;
3º Uma cláusula suscetível de diversos
sentidos entende-se naquele em que possa ter efeito, e não em outro em
que não teria efeito algum;
4º Os termos suscetíveis de diversos sentidos
devem ser entendidos naquele que mais convém à matéria de que se trata e
à natureza e o objeto do ato;
5º O que é ambíguo deve ser entendido segundo
o uso do lugar em que o ato é celebrado;
6º As cláusulas que são de costume
subentendem-se estipuladas ou declaradas no ato;
7º As cláusulas dos atos interpretam-se umas
pelas outras, quer sejam antecedentes, quer conseqüentes;
8º As cláusulas e expressões absolutamente
ininteligíveis devem se reputar não escritas;
9º Na dúvida, a prova de uma obrigação ou de
sua extensão se interpreta em favor do devedor, e a prova da extinção ou
limitação se interpreta a favor do credor;
10º Por gerais que sejam os termos em que for
concebido um ato, este só compreende as coisas, das quais os agentes se
propuseram tratar, e não as coisas de que não cogitaram;
11º Se no ato se expressou um caso, para
explicar a obrigação, não se deve julgar que os agentes quiseram
restringir àquele único caso, quando ela por lei é extensiva a outros
casos;
12º Tratando-se de contrato a título gratuito,
ou de legado em relação a herdeiro, na dúvida, a interpretação se fará
pela menor transmissão de direitos e interesses;
13º Os fatos dos agentes na ocasião do ato, ou
anteriores ou posteriores, e que tenham relação com a questão, também
servirão para a interpretação;
14º As cláusulas e termos de um ato poderão
interpretar-se pelas cláusulas e termos de outro ato, entre as mesmas
partes e sobre o mesmo objeto, ou pela aplicação prática, que delas
tenham feito os agentes;
15º No caso de dúvida de uma cláusula ou
expressão, se interpretará, antes no sentido de um modo, que de uma
condição; no sentido antes de uma condição resolutiva, que suspensiva.
"
7.
Do Projeto de Código Civil Brasileiro de 1893, elaborado por A.Coelho
Rodrigues. Parte geral, Livro III – Dos fatos e atos jurídicos,
Título IV – Dos atos jurídicos, Capítulo V – Da interpretação dos atos
jurídicos, selecionamos o artigo que se segue:
"Art. 353 – Na interpretação dos atos
jurídicos serão observadas as seguintes regras:
§ 1º Se o texto for coerente e claro, deve ser
atendido literalmente.
§ 2º Se for claro numas partes e obscuro ou
dúbio noutras, estas deverão ser entendidas de acordo com
aquelas.
§ 3º Se for inexeqüível num sentido e
exeqüível noutro, deve ser entendido neste, ainda que seja menos literal
que aquele.
§ 4º Se as disposições expressas não forem
taxativas, deverão ser subentendidas as conseqüências naturais e usuais
do ato.
§ 5º Se alguma das cláusulas expressas não
excluir as usuais, ou for inconciliável com elas, estas deverão ser
subentendidas.
§ 6º Se o ato carecer de alguma coisa
essencial para valer como tal, mas contiver quanto baste para valer por
outro título, deverá ser entendido com as restrições correspondentes a
este.
§ 7º Se o ato for benéfico unilateral, não
será interpretado extensivamente.
§ 8º Se as palavras tiverem diversos sentidos,
deve ser preferido o mais conforme à matéria do ato.
§ 9º As dúvidas que ocorrerem na execução
devem ser resolvidas de acordo com o costume do lugar.
§ 10º Por mais gerais que sejam os termos de
um ato, deve-se entendê-lo conforme o fim manifestado pelos
agentes.
§ 11º As dúvidas sobre a existência ou sobre a
extensão da obrigação devem ser resolvidas em favor do devedor, e as
relativas à extinção ou limitação dela em favor do credor. "
8.
Na obra, Direito Civil Brazileiro Recopilado ou Nova Consolidação das
Leis Civis vigentes em 11 de agosto de 1899, de autoria do
advogado CARVALHO, Carlos Augusto de. Parte geral, Livro único – Dos
elementos dos direitos, Título III – Dos fatos, Capítulo III – Da
interpretação dos atos, verificamos merecer transcrição o dispositivo
abaixo:
"Art. 284 – A inteligência simples e adequada
que for mais conforme à boa-fé e ao verdadeiro espírito e natureza do
ato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das
palavras."
9.
Eis o disposto nos referidos artigos do Código Civil Brasileiro:
"Art. 1443 – O segurado e o segurador são
obrigados a guardar, no contrato, a estrita boa-fé e veracidade, assim a
respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele
concernentes.
Art. 1444 – Se o segurado não fizer
declarações verdadeiras e completas, omitindo circunstâncias que possam
influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito
ao valor do seguro, e pagará o prêmio vencido."
10.
É válido comentar que, tão logo BEVILÁQUA, Clóvis apresentou o seu
projeto de Código Civil, este foi alvo dos mais diversos ataques, tendo
o jurista partido para a defesa do trabalho por ele elaborado, através
de alguns artigos sucessivamente publicados. Foi, portanto, da reunião
de tais artigos que resultou a obra Em Defeza do Projecto de Codigo
Civil Brasileiro, a qual, entre outras contribuições, traz uma
análise das tentativas de codificação do direito civil anteriores ao seu
projeto.
Na
doutrina, debatendo as razões que teriam contribuído para a ausência de
uma previsão mais expressiva da boa-fé objetiva no Código Civil de
BEVILÁQUA, cf.: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A boa-fé na formação
dos contratos, p. 5; FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O
direito privado brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V.
do. p. 48; CARMO, Jairo Vasconcelos do. Relevância da boa-fé na
solução dos conflitos contratuais, p. 382-383.
11.
FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito privado brasileiro
na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do. p 49.
Apesar
das aludidas dificuldades, nossa doutrina versou sobre a matéria,
consoante se vê, exemplificativamente, nas lições de GOMES, Orlando.
in Contratos, p. 43; in Obrigações, p. 108; ou, ainda, nos
ensinamentos de AMARAL,Francisco. As cláusulas contratuais gerais, a
proteção ao consumidor e a lei portuguesa sobre a matéria, p. 252.
Contudo, não se procurou visualizar a boa-fé como elemento criador de
novos deveres dentro da relação obrigacional, como acertadamente
salientou COUTO E SILVA, Clóvis V. do. in A obrigação como processo,
p. 30.
12.
FERREIRA COELHO, A. in Código Civil dos Estados Unidos do Brasil –
Comparado, Commentado e Analysado, em nota ao art. 85 do Código
Civil Brasileiro, menciona a existência de dispositivos com regra
semelhante à do referido artigo no Direito Estrangeiro. Assim, vale
mencionar, pelo menos, os dispositivos do Código Civil Chileno, dada não
só a similitude com o artigo brasileiro, mas também por mencionarem
expressamente uma correlação entre tal regra e os ditames da boa-fé
objetiva, ao estabelecerem:
"Art. 1546 – Los contratos deben ejecutarse de
buena fe, i por consiguiente obligan no solo a lo que en ellos se
expresa, sino a todas las cosas que emanan precisamente de la naturaleza
de la obligación, o que por la lei o la costumbre pertenecen a
ella.
Art. 1560 – Conocida claramente la intención
de los contratantes, debe estarse a ella más que a lo literal de las
palabras."
Na doutrina pátria, outra não era a lição de
ESPÍNOLA, Eduardo. in Manual do código civil brasileiro, p. 178, em
comentário ao art. 85 do Código Civil, expondo: " São precisamente o
respeito à boa-fé e à confiança dos interessados, e a conseqüente
responsabilidade do autor que, no caso de interpretação judicial do ato
jurídico, mandam atender, em regra, à intenção consubstanciada na
declaração, ao invés de procurar o pensamento íntimo do declarante."
(Grifamos.)
Cf.
também: FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito privado
brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do. p. 49.
Neste trabalho, o autor recomenda que os juízes apliquem o princípio da
boa-fé, mediante a aplicação do art. 85 do Código Civil.
A
este respeito, cf.: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de
direito civil, Volume III, p. 36, bem como GOMES, Orlando. in
Contratos, p. 43; WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos, p.
154.
13.
V.: VARELA, Antunes. in Direito das obrigações – Vol. I, p. 63,
onde o autor comenta a possibilidade de se recorrer à regra contida no
artigo 4º da L.I.C.C., sendo a boa-fé um dos princípios gerais de
direito abrangidos na remissão genérica desse dispositivo.
14.
Eis o disposto em tais artigos, valendo mencionar que, enquanto nos dois
primeiros temos a previsão da boa-fé em sua função
interpretativa, no último, esta vem apresentada em sua função de
controle ou limitação de direitos subjetivos.
" Art. 65 – Nas declarações de vontade se
atenderá mais à intenção do que ao sentido literal da
linguagem.
Art. 66 – As declarações devem ser
interpretadas conforme a boa-fé e o uso dos negócios.
Art. 156 – Fica obrigado a reparar o dano quem
o causou por exceder no exercício do direito os limites do interesse por
este protegido ou os decorrentes da boa-fé. "
Vale
dizer ainda que foi dado destaque na Exposição de Motivos do projeto em
referência, pela sua comissão elaboradora, ao fato de terem sido feitos
aditamentos de alguns preceitos à regra básica do art. 85 do Código
Civil, a fim de acentuar a prevalência da boa-fé e do fim econômico
na execução das obrigações.
15.
É o que se vê nos seguintes dispositivos, inseridos na Parte Primeira –
Obrigações e suas Fontes, Título I – Negócio Jurídico, Capítulo I –
Disposições Gerais, Seção III – Interpretação da Declaração de Vontade,
do Anteprojeto de Obrigações de 1963:
" Art. 21 – Nas declarações de vontade se
atenderá mais à sua intenção do que ao sentido literal da
linguagem.
Art. 22 – As declarações de vontade devem ser
interpretadas conforme a boa-fé e os usos dos negócios, presumindo-se,
no silêncio ou ambigüidade das cláusulas, que se sujeitaram as partes ao
que é usual no lugar do cumprimento da obrigação. "
Por
oportuno, é interessante salientar que, no Relatório subscrito ao
Anteprojeto de Obrigações de 1965, por NONATO, Orosimbo, PEREIRA, Caio
Mário da Silva, AZEREDO SANTOS, Theóphilo, MARCONDES, Sylvio, GOMES,
Orlando e GUEIROS, Nehemias, foi afirmado: " Na interpretação da
declaração de vontade, revive o preceito que o Código Civil de 1916
assentava no art. 85, acrescentando-se a presença do Princípio da boa-fé
(art. 23), que toda literatura jurídica moderna tanto encarece na
referência que o Código Alemão lhe faz (Treu und Glauben)."
Mais
adiante, em comentário aos dispositivos estabelecidos relativamente ao
contrato de seguro, foi dito: " Enunciou-se um preceito que domina
todo o sistema deste contrato, e que a doutrina e a jurisprudência
invocam amiudamente: a regra da boa-fé sobrepairando na fase
pré-contratual como na execução das avenças." (Grifamos.)
16.
As referidas disposições do Anteprojeto de Código Civil de 1972 a que
aludimos são as seguintes:
"Art. 111 – Nas declarações de vontade se
atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal
da linguagem.
Art. 112 – Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração."
Na
doutrina, para uma leitura acerca da abrangência das regras
supramencionadas no Projeto de Código Civil em tramitação, cf., entre
outros: CAVALCANTI, José Paulo. in Considerações sobre o novo
anteprojeto de código civil, p. 16-17; NOGUEIRA, Rubem. Notas à
margem do anteprojecto do código civil brasileiro, p. 8.
17.
Da Parte Especial, Livro I – Do Direito das Obrigações – Título V – Dos
Contratos em geral, dada a sua relevância, merecem especial destaque os
seguintes dispositivos:
" Art. 420 – A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 421 – Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios da probidade e boa-fé."
E,
na Parte Geral, Livro III – Dos Fatos Jurídicos, Título I – Do Negócio
Jurídico, Capítulo I – Disposições Gerais, temos, então, na linha dos
projetos anteriores, a boa-fé na sua função interpretativa:
" Art. 112 – Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração."
Na
doutrina, o GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Contrato, p. 50-51
afirma que, diante dos inúmeros preceitos do Código Civil Brasileiro que
se reportam à boa-fé, ainda que sob o seu aspecto subjetivo, a extração
da boa-fé objetiva pode ser feita à guisa de princípio geral.
Com
o Projeto de Código Civil em referência, no qual foi imposto às partes
guardar, na conclusão e na execução do contrato, os princípios da boa-fé
e da probidade, passa o princípio da boa-fé nos contratos a determinar a
conduta das partes segundo os padrões de lealdade, no Direito
Brasileiro.
Sobre
os avanços pontuais ocorridos na versão final do Projeto de Lei da
Câmara dos Deputados nº 118, de 1984, que antes tomava o nº 634-B/75,
graças ao esforço do Senador Josaphat Marinho, v. também: FACHIN, Luiz
Edson. O "aggiornamento" do direito civil brasileiro e a confiança
negocial, p.. 127-129.
18.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual
e desregulamentação do mercado – direito de exclusividade nas
relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e
responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o
inadimplemento contratual, p. 116.
19.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual
e desregulamentação do mercado – direito de exclusividade nas
relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e
responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o
inadimplemento contratual, p. 116.