04/10/06 O Princípio da Territorialidade das Leis Tributárias e a Ação Fiscal no Trânsito de Mercadorias relativa ao ICMS




1. Considerações gerais acerca dos princípios da territorialidade e da extraterritorialidade das leis

Quando nos reportamos ao princípio da territorialidade das leis, na verdade, estamos nos referindo à sua vigência no espaço.

Por esse princípio, as leis vigoram somente no território da entidade política responsável pela sua edição.

Em direito tributário, dizemos que as leis tributárias somente vigoram no território do ente tributante que as editar.

É óbvio que, em se tratando de leis tributárias editadas pela União, estas vigorarão em todo o território nacional. Todavia, tratando-se de leis tributárias estaduais ou municipais, tais somente vigorarão no respectivo território do Estado ou do Município que as editar.

Como assevera com rara propriedade o Prof. Hugo de Brito Machado, “Segundo o princípio da territorialidade das leis, estas vigoram apenas no território da entidade estatal que as edita. Não há, portanto, necessidade de norma no Direito positivo que o afirme. É um princípio universal que tem prevalecido plenamente, tanto no Direito internacional, como no Direito interno de cada país.” (In Comentários ao Código Tributário Nacional – Artigos 96 a 138. Volume II. São Paulo/SP: Editora Atlas, 2004, p. 115).

Para pacificar de vez a questão, vejamos as disposições constantes do art. 102 do Código Tributário Nacional:

“Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União.”

Como é notório, toda regra tem sua exceção. Assim, em caráter excepcional, o art. 102 supra dispõe que a legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios pode ter vigência fora dos respectivos territórios, elencando as seguintes hipóteses, em que tal vigência seria possível:

• em virtude de convênios celebrados entre as referidas entidades; ou

• em decorrência de dispositivos do próprio CTN ou de outras leis complementares.

A primeira hipótese ocorre quando entidades tributantes distintas resolvem celebrar um convênio permitindo que a lei tributária do outro ente tributante possa vigorar nos limites do seu território.

Um exemplo bastante conhecido é o da substituição tributária do ICMS. Com efeito, ao tratarmos de substituição tributária, classificamos os contribuintes do ICMS em:

a) contribuinte substituto – é aquele que a legislação determina como responsável pelo recolhimento do imposto;

b) contribuinte substituído – é aquele que dá causa ao fato gerador, mas a legislação o dispensa do recolhimento, pois atribui ao substituto esta obrigação.

A Fiat, por exemplo, cuja fábrica está situada no Estado de Minas Gerais, ao vender um automóvel para concessionária localizada no Estado do Ceará, teremos a seguinte situação, relativamente ao ICMS:

- ICMS da operação própria – Devido ao Estado de Minas Gerais pela Fiat;

- ICMS Substituição Tributária – Devido ao Estado do Ceará pela Fiat, que efetuou a retenção do imposto devido, na verdade, pela concessionária situada no Estado cearense (contribuinte substituído).

Assim, com o intuito de fiscalizar e exigir, quando for o caso, o ICMS devido ao Estado do Ceará, este poderá celebrar convênio com o Estado de Minas Gerais, de sorte a permitir que a legislação tributária cearense vigore em seu território.

No tocante à segunda hipótese – extraterritorialidade determinada por lei complementar –, dado o princípio da autonomia das entidades federativas, entendemos que tal hipótese não foi recepcionada pela vigente Constituição Federal.


2. As disposições constantes do art. 16 da Lei cearense n.º 12.670/1996

Ultimamente, quando das ações fiscais no trânsito de mercadorias, os agentes do Fisco cearense vêm responsabilizando o emitente/remetente, localizado em outra Unidade da Federação, por infração à legislação tributária quando as mercadorias vierem acobertadas por nota fiscal considerada inidônea.

E assim o fazem com respaldo no art. 16, incisos II e III, da Lei n.º 2.670/1996, que traz a seguinte dicção:

“Art.16. São responsáveis pelo pagamento do ICMS:
I – ( ... )
II - o transportador em relação à mercadoria:
a) proveniente de outro Estado para entrega em território deste a destinatário não designado;
b) negociada em território deste Estado durante o transporte;
c) que aceitar para despacho ou transportar sem documento fiscal, ou acompanhada de documento fiscal inidôneo ou com destino a contribuinte não identificado ou baixado do Cadastro Geral da Fazenda - CGF;
• Alínea “c” com redação determinada pelo art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 13.082/2000, vigente a partir de 29/12/2000.

d) que entregar a destinatário ou em local diverso do indicado no documento fiscal.
e) que transportar com documento fiscal sem o selo fiscal de trânsito;
• Alínea “e” acrescentada pelo art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 13.082/2000.

III - o remetente, o destinatário, o depositário ou qualquer possuidor ou detentor de mercadoria ou bem desacompanhados de documento fiscal, acompanhados de documento fiscal inidôneo ou sem o selo fiscal de trânsito.”
• Inciso III com redação determinada pelo art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 13.418, de 30/12/2003.

Como se percebe, o inciso II atribui ao transportador a responsabilidade pelo pagamento do ICMS nas situações indicadas em suas alíneas “a” a “e”, tais como transportar mercadoria acompanhada de documento fiscal inidôneo.

O inciso III, por sua vez, atribui ao remetente, destinatário ou a qualquer possuidor ou detentor de mercadoria acompanhada de documento fiscal inidôneo. É este o dispositivo utilizado, à miúde, pelos agentes fiscais cearenses.

A sujeição passiva, em matéria tributária, está dividida em contribuinte e responsável, nos termos do art. 121 do CTN:

“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

Sujeito passivo como devedor da obrigação tributária. Qualquer pessoa, física ou jurídica, colocada por lei como devedora da prestação tributária, será sujeito passivo, sendo irrelevante o nome que lhe seja atribuído ou a sua situação de contribuinte ou responsável.

Contribuinte da obrigação tributária. O conceito de contribuinte guarda vinculação com a capacidade contributiva, na medida em que o contribuinte é aquele cuja capacidade contributiva é revelada pelo fato gerador da obrigação tributária.

Responsável por obrigação tributária. O sujeito passivo, qualificado como responsável, pode ser um sucessor ou um terceiro e responder solidária ou subsidiariamente, ou ainda por substituição.

Assim, temos a figura do contribuinte, que sempre terá uma relação pessoal e direta com o fato gerador. É o caso do comerciante, por exemplo, que será o contribuinte do ICMS quando efetuar uma venda de mercadoria.

Já o responsável, embora não seja contribuinte, por não possuir relação pessoal e direta com a ocorrência do fato gerador, poderá revestir a condição de sujeito passivo da obrigação tributária por disposição expressa de lei.

No caso de que se cuida o presente tema, constatando-se, no trânsito de mercadorias, que estas estão acobertadas por documentação fiscal inidônea, cuja responsabilidade por sua emissão é do contribuinte de outro Estado da Federação, que contratou empresa transportadora para entregá-las ao destinatário, situado neste Estado do Ceará, indaga-se, aqui, o seguinte: quem será o responsável pelo pagamento do ICMS?

Na nossa ótica, a responsabilidade pelo pagamento do ICMS será a empresa transportadora, que transportava mercadorias acobertadas por documentação fiscal inidônea. Tal é a determinação do art. 16, inciso II, alínea “d”, do art. 16, acima reproduzido.

O emitente/remetente, quando localizado em outra Unidade da Federação, somente poderá ser responsabilizado pelo pagamento do ICMS na hipótese de ele próprio estiver efetuando, através de transporte próprio, o transporte das mercadorias, objetivando entregá-las ao destinatário.

Nesta hipótese, o emitente/remetente da nota fiscal considerada inidônea, localizado em outra Unidade da Federação, será autuado, não por sua condição de contribuinte do imposto, porém sim, como responsável.

A regra prevista no inciso III do art. 16, ora acima reproduzida, somente será aplicável na hipótese de o emitente/remetente for contribuinte localizado neste Estado do Ceará, o mesmo ocorrendo em relação ao destinatário das mercadorias, que também poderá ser responsabilizado pelo Fisco, desde que tenha dado causa à infração.

Ainda que a empresa transportadora não possua domicílio tributário aqui no Estado do Ceará, e sim, em outras Unidades da Federação, ocasião em que o estabelecimento, localizado em outra Unidade da Federação, tenha emitido o conhecimento de transporte, a mesma será autuada como responsável pela infração.

Aliás, o art. 12, inciso I, alínea “b”, da citada Lei n.º 12.670/1996, assim dispõe:

“Art. 12. O local da operação ou da prestação, para efeito da cobrança do ICMS e definição do estabelecimento responsável, é:
I – tratando-se de mercadoria ou bem:
a) ( ... )
b) onde se encontre, quando em situação irregular por falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação.”

Ora, o Decreto n.º 24.569/1997, que regulamentou a Lei n.º 12.670/1996, elenca, em seu art. 131, as hipóteses em que o documento fiscal será considerado inidôneo.

Portanto, verificada, no trânsito de mercadorias, que determinada mercadoria está sendo transportada acompanhada de documentação fiscal considerada inidônea, o sujeito passivo a ser autuado, como responsável, será quem a estiver transportando, pouco importando se o transporte estiver sendo efetuado pelo próprio emitente/remetente, ainda que localizado em outra Unidade da Federação, por empresa transportadora, pelo destinatário, pelo detentor ou possuidor etc.

É coisa é bem diferente quando o emitente/remetente estiver localizado em território cearense. Neste caso, defendemos a tese de que os agentes do Fisco poderão, sim, autuá-lo, por emitir documento fiscal inidôneo, desde que a inidoneidade tenha ocorrido concomitentemente com a emissão da própria nota fiscal, como, por exemplo, emissão de nota fiscal para contribuinte fictício, ou com o valor subfaturado, quando constatada esta condição.

Em tais casos, entendemos como injusta a responsabilização da empresa transportadora, como responsável pela infração, pois o referido estabelecimento não deu causa para a infração.

Em síntese, tratando-se de ação fiscal no trânsito de mercadorias, em que se constata a existência de mercadorias acobertadas por documentação inidônea, o agente do Fisco deverá:

- autuar o responsável pelo transporte das mercadorias encontradas em situação fiscal irregular, quando a nota fiscal for emitida por contribuinte localizado em outra Unidade da Federação;

- autuar o remetente, o destinatário, o transportador, o possuidor ou o detentor das mercadorias a qualquer título, quando a nota fiscal for emitida por contribuinte situado neste Estado do Ceará. Neste caso, deverá o agente do Fisco cearense averiguar as circunstâncias em que a nota fiscal foi considerada inidônea, de sorte a constatar quem deu causa à infração.



Autor: José Ribeiro Neto
Contato: estevania@tera.com.br

José Ribeiro Neto é bacharel em Direito pela UFC (1982), especialista em Direito Público, Direito Tributário e Direito Constitucional; é Auditor Fiscal da SEFAZ-CE desde 1981, no qual ingressou mediante concurso público, e Instrutor da Escola Superior de Administração Fazendária - ESAF. É autor de vários livros na área de tributos estaduais, encontrando-se na gráfica o próximo livro, intitulado: “Direito Tributário & Legislação Tributária do Estado do Ceará – Comentários, Doutrina e Jurisprudência”, com prefácio do Prof. Hugo de Brito Machado. O livro em questão traz comentários a todos os artigos do Sistema Tributário Nacional, do Código Tributário Nacional e da Legislação Tributária do Estado do Ceará (ICMS, IPVA, ITCD, Taxa, Contribuição de Melhoria e Processo Administrativo Tributário), devidamente atualizados.---------------------------------------------------------- jribeiro@sefaz.ce.gov.br ----- estevania.ribeiro@terra.com.br